Novembro marca o Mês da Consciência Negra, um momento de reflexão sobre a história, a luta e a contribuição cultural do povo negro no Brasil. Em Minas Gerais, um exemplo vivo dessa resistência é a Comunidade dos Arturos, em Contagem, cujo legado cultural ultrapassa gerações. Mais que um território, os Arturos representam um modo de vida enraizado na ancestralidade, na fé e nas tradições que hoje são protegidas como patrimônio cultural imaterial. Mas como garantir que essa riqueza cultural continue viva? É aí que entram os instrumentos de salvaguarda e, mais recentemente, o papel do Comitê Gestor de Salvaguarda.
O Legado Cultural da Comunidade dos Arturos
Fundada por Artur Camilo Silvério e sua esposa Carmelinda Maria da Silva, a Comunidade dos Arturos é um símbolo da resistência negra em Minas Gerais. Em maio de 2014, a Festa de Nossa Senhora do Rosário da Comunidade dos Arturos foi declarada patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais, no contexto do Registro da Comunidade dos Arturos, em Contagem. Este registro foi pioneiro, sendo o primeiro reconhecimento de uma comunidade tradicional como patrimônio cultural no estado, ampliando a noção de preservação cultural e abrindo caminho para outros reconhecimentos.
Na Festa do João do Mato, na Festa da Abolição, no conhecimento sobre plantas medicinais, a Folia de Reis, no Congado, nas Guardas de Congo e Moçambique, os Arturos perpetuam uma história que pulsa vida e resistência e a sua cozinha tradicional. Além da Festa de Nossa Senhora do Rosário, também foram reconhecidos o Reinado/Congado dos Arturos e o Rito da Benzeção, cada um representando aspectos essenciais da vida cultural da comunidade. Essas manifestações não são apenas festividades; são rituais de preservação de uma memória coletiva, onde a fé e a luta pela liberdade se entrelaçam.
Instrumentos de Salvaguarda: Preservando a Memória
O reconhecimento como patrimônio cultural imaterial não é o ponto final. Pelo contrário, é o início de um compromisso constante com a preservação. Aqui, os instrumentos de salvaguarda têm um papel essencial. Eles incluem políticas públicas que vão desde o mapeamento das manifestações culturais até o apoio financeiro e técnico para a continuidade dessas tradições. Sem esses instrumentos, corremos o risco de ver práticas culturais tão ricas serem esquecidas ou transformadas de maneira irreversível.
Foi pensando nisso que o IEPHA/MG trabalhou para criar o Comitê Gestor de Salvaguarda da Comunidade dos Arturos. Este Comitê, instituído oficialmente no último dia 1º de novembro de 2024, é um exemplo claro de como o Poder Público e a comunidade podem se unir para proteger o que há de mais valioso: a cultura e a memória.
O Comitê Gestor e Seu Papel no Processo de Salvaguarda
A criação do Comitê Gestor foi fruto de um esforço coletivo, envolvendo a Comunidade dos Arturos e representantes de instituições como o INCRA, o IEPHA/MG, a UFMG, a PUC Minas, e órgãos do Município de Contagem. Seu objetivo principal é garantir que as ações de salvaguarda sejam realizadas de forma contínua e eficaz. Isso inclui definir prioridades, avaliar a execução das políticas culturais, e promover a difusão do legado dos Arturos.
O processo de criação do Comitê não foi simples. Reuniões extensas foram realizadas para definir a composição dos membros, o Regimento Interno e as competências de cada participante. O Comitê é composto por membros natos da Comunidade dos Arturos, e membros designados de instituições parceiras, cada um com responsabilidades bem definidas. Essa estrutura garante que a voz da comunidade seja sempre ouvida, mas também que haja suporte técnico para enfrentar desafios, como a regularização fundiária e a preservação dos espaços sagrados.
Reconhecimento e Valorização da Resistência Negra
A importância do Comitê vai além da preservação cultural. Ele simboliza a valorização da luta e resistência da comunidade negra em um país que ainda enfrenta desafios históricos relacionados ao racismo e à desigualdade. Os Arturos não são apenas guardiões de uma herança cultural; são exemplos de resistência viva, que agora têm um plano estruturado para garantir que suas tradições não só sobrevivam, mas floresçam.
Essa valorização também ecoa nacionalmente. A luta da Comunidade dos Arturos é um lembrete de que o reconhecimento da cultura negra é, antes de tudo, um ato de justiça histórica. Isso nos lembra da importância de olhar para outras comunidades e garantir que suas histórias também sejam preservadas.
No Mês da Consciência Negra, lembrar da Comunidade dos Arturos e da criação do Comitê Gestor de Salvaguarda é refletir sobre o passado e planejar o futuro. É um compromisso que vai além de políticas culturais: é um pacto com a memória, com a resistência e com a cultura. Preservar é resistir. E resistir é dar às próximas gerações o direito de ouvir, viver e se inspirar na força dos que vieram antes.