No mundo todo e também no Brasil se discute neste momento a situação da Venezuela. Poucas pessoas percebem, entretanto, o que está por trás.
O parquinho de horrores de Maduro tem pouca importância diante de um problema maior. Há um eixo autocrático em ascensão no mundo, o mais perigoso já erigido na face da Terra, em toda a história. Ele articula as maiores ditaduras do planeta, como Rússia e Bielorrússia, China, Irã, Coreia do Norte, provavelmente Turquia, Hungria, Síria e outras ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África, talvez Bharat (a nova Índia do autocrata eleitoral Narendra Modi), Cuba, Nicarágua e... é claro, Venezuela.
Tem mais. Esse eixo está capturando regimes eleitorais parasitados por governos populistas de esquerda, como Colômbia, México, Honduras, Bolívia, África do Sul, talvez Indonésia e... embora não seja tão claro para todo mundo, o Brasil.
A vacilação, a leniência e a conivência de Lula em relação à Venezuela tem uma explicação clara e simples. O governo do PT já fez sua escolha. Ele avalia que o eixo autocrático vai levar a melhor na sua ofensiva contra as democracias liberais, nesta que pode ser considerada a segunda grande guerra fria. É quer ficar do lado de quem, imagina, será o vencedor.
A maior parte das pessoas ainda não entendeu que a segunda guerra fria não é um repeteco da primeira. Não é uma guerra entre blocos, com a China ocupando agora o lugar que era da URSS contra os EUA. Não está geograficamente demarcada sobre o globo. Ela é uma netwar: a nova forma de guerra da sociedade-em-rede que emerge no século 21. Com efeito, na netwar quem está na ofensiva é o eixo autocrático Esse eixo age insuflando a polarização tóxica dentro de cada país democrático.
O eixo autocrático apoia populismos de esquerda (o neopopulismo) e de direita (como o populismo-autoritário ou nacional-populismo, dito de extrema-direita). Pior, conseguiu confundir a esquerda para que ela proclame que a única (ou a principal) ameaça à democracia vem dessa extrema-direita, escondendo sua própria ameaça.
Por certo os nacional-populistas iliberais (como Orbán, Erdogan, Trump, Vance e Bannon, Salvini e Meloni, Le Pen, Wilders, Farage e os ex-militantes do Brexit, Chrupalla, Weidel e Gauland, Riikka Purra, Abascal, Ventura, Bukele, Bolsonaro etc.) – a maioria dos quais dita de extrema-direita – são, sim, uma ameaça à democracia, mas não a única (nem a principal). Ademais, só três deles (Bukele, Erdogan e Orbán) governam países que têm regimes que podem ser considerados autoritários. Não tem nem comparação com o número de governantes de ditaduras que se declaram de esquerda ou estão na órbita de influência de regimes que se declaram de esquerda.
Enquanto isso, as democracias liberais (ou plenas) estão na defensiva. Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Noruega, Suíça, Canadá, Barbados, Costa Rica, Suriname,Chile, Uruguai, Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Israel, Austrália e Nova Zelândia, são minoria em todo lugar, inclusive na Assembleia Geral e nas agências e organismos da ONU. Lá elas tendem a perder qualquer votação e se EUA, Reino Unido e França não tivessem poder de veto no Conselho de Segurança já teria ido tudo pelo ralo.
É por isso que o governo brasileiro não pode ser afirmativo em relação à monumental fraude eleitoral praticada pela ditadura da Venezuela. É por isso que, violando nossas tradições, não defende os direitos humanos dos que estão sendo perseguidos, presos e torturados por Nicolás Maduro.
Para tentar ganhar tempo, até que o ditador encontre uma saída para permanecer no poder, o governo brasileiro procura se aliar a outros regimes populistas de esquerda da América Latina, como México e Colômbia e solta um comunicado atrás do outro dizendo nada. É isso que na minha juventude chamávamos de “embromation”.