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Imagem: Martinelle / Pixabey

Guerra comercial desigual para o aço: “o Deus Mercado é mais poderoso que tudo”


Ênio Fonseca

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Engenheiro Florestal especialista em gestao socioambiental. CEO da Pack of Wolves Assessoria Socioambiental, Conselheiro do FMASE. Foi Superintendente do Ibama, Conselheiro do Copam e Superintendente de Gestão Ambiental da Cemig. Membro do IBRADES , ABDEM, ADIMIN, da ALAGRO E SUCESU


O setor siderúrgico brasileiro vem sofrendo nos últimos meses com uma investida comercial da China, que coloca em nosso país um volume enorme de aço em condições comerciais extremamente agressivas. Isso tem impactado severamente a indústria nacional e sua cadeia produtiva. Um procedimento que, com certeza,  fere toda a legislação comercial internacional.

Para entender o que está acontecendo, cito o  presidente do Instituto Justiça Fiscal, Dr. Dão Real Pereira dos Santos, no Vº Encontro Nacional das Cidades Mineradoras, coordenado pela AMIG- Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil, realizado em Belo Horizonte, no mês setembro. Na ocasião, ele afirmou:

“Os países desenvolvidos impõem redução das tarifas e o livre comércio, dentre outros institutos e políticas consideradas “boas”. Mas são eles que se utilizaram mais intensamente das tarifas elevadas e do protecionismo para se desenvolverem. A China é o maior produtor mundial destes insumos básicos, mas é o que mais impõe restrições às exportações destes produtos, seguida da Rússia e da Ucrânia. E é também um dos maiores importadores de produtos primários. O propósito da China é capturar seus recursos naturais para a indústria doméstica e estimular a exportação de produtos com maior valor agregado”.

Ele apontou ainda alguns mitos sobre o comércio internacional, citando o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio de 1947 (GATT 47), que criou regras baseadas no livre cambismo e apontou as seguintes pontos: restrições ao protecionismo; países não devem subsidiar suas exportações e países não devem restringir suas importações.

No entanto, ele destacou o paradoxo observado nos posicionamentos de vários países: resistência contra subsídios às exportações tem sentido oposto quando se trata de produtos primários. Para os países industrializados é importante ter matérias primas baratas mas produtos industrializados.

A força comercial da China, vem sendo demonstrada ao colocar  dentro de nosso país, aço a preços significativamente menores que o nosso, possivelmente subsidiados, afrontando a  GATT 47. Isso força uma reação do setor produtivo nacional, que vem pedindo ao governo, de forma legítima, o aumento dos impostos de importação para esse bem, de forma a proteger a indústria nacional, demanda ainda não atendida.

O presidente da Gerdau, Gustavo Werneck, disse, em matéria da ISTOÉ Dinheiro, ainda em julho deste ano, que: “o forte aumento no volume do aço importado, sobretudo da China, vem prejudicando a produção brasileira. Se não forem tomadas decisões por parte do governo nos próximos 30 dias sobre o aumento da tarifa de importação, a situação ficará preocupante. É preciso a adoção de ações urgentes para que a tarifa suba 25%, ou então teremos muita dificuldade”, afirmou o executivo.

O diagnóstico do presidente da Gerdau foi acompanhado pelo presidente da ArcelorMittal Brasil e presidente do conselho diretor do Instituto Aço Brasil, Jefferson De Paula, que confirmou a possibilidade de problemas sociais, caso o cenário se mantenha. Ele disse no mesmo artigo:

“Vamos produzir 1,3 milhão de toneladas de aço a menos, por causa do cenário atual de importações. A nossa capacidade está entre 15 milhões a 16 milhões de toneladas, mas vamos produzir menos. Se o cenário continuar igual, haverá um problema social no país”.

De lá para cá a situação continua complicada. O jornal O Tempo, na edição de 12/11, afirma que: “O excedente de aço no mercado brasileiro, em função do aumento da importação em quase 50% do produto em 2023. Grande parte desse volume vindo da China, continua causando prejuízos para a siderurgia nacional e forçando cortes na produção. Duas gigantes do setor anunciaram nesta segunda-feira (11/12) medidas nesse sentido. A ArcelorMittal confirmou que estendeu as paradas técnicas, iniciadas em novembro, de suas unidades de Resende (RJ), Piracicaba (SP) e Juiz de Fora (MG) até o fim deste ano. Já o presidente da Usiminas, Marcelo Chara, disse que o alto-forno 1, em Ipatinga, será desligado até o início de 2024, caso não haja um equilíbrio entre demanda e produção”.

Nas palavras de Chara, há uma “sangria” no setor: “Há um tsunami de aço chinês no Brasil. Pleiteamos medidas do governo federal, que ainda não foram atendidas. Há risco para o emprego, para o faturamento das empresas, arrecadação de impostos e em toda a cadeia produtiva do aço”, disse, em entrevista coletiva, em Ipatinga, no dia 11/12. Ele informou ainda que contratos com empresas terceirizadas também estão sob risco, como mais um reflexo da “concorrência desleal”, que o setor enfrenta no Brasil.

De acordo com a World Steel Association, a emissão atmosférica de GEE da indústria do aço vem aumentando no mundo. Em 2021, chegou a 1,91 tonelada de CO2, por tonelada de aço bruto fundido. Analistas internacionais avaliam que isso é resultado de uma maior participação de aço chinês no mercado, país que responde por mais de 50% da produção global e apresenta altos índices de emissões de poluentes.

No Brasil, a média de emissões é de 1,7 tonelada de CO2, por tonelada de aço produzido. A performance nacional é resultado de uma participação de 11% de carvão vegetal, com origem em florestas plantadas, em substituição ao carvão mineral nos altos-fornos. E também de participação de 22% na produção total, proveniente de mini-mills, pequenas usinas que usam fornos elétricos para a transformação de sucatas.

A produção mundial de aço foi de 1.885 milhões de toneladas em 2022, sendo a china responsável por 50,4% desse total. Já o consumo aparente de aço no Brasil atingiu apenas 23,3 milhões de toneladas no mesmo ano,  sendo que as vendas internas chegaram a 20,2 milhões de toneladas, de acordo com o Instituto Aço Brasil. A mineração e a siderurgia do aço no Brasil vêm incorporando cada vez mais os princípios ESG em seus processos.

Toda uma política relacionada à produção do aço no país precisa levar em conta a cadeia produtiva, passando pela produção do minério de ferro, carvão vegetal e mineral, ferro gusa, aciarias, logística, tributação, estímulos fiscais e tecnológicos, e em especial, as regras comerciais internacionais, que precisam ser justas entre os países. Essa é a razão pela qual, neste momento, o governo brasileiro precisa intervir com novos impostos para proteger a nossa indústria.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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