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Imagem: Ricardo Stucket / PT

Seis meses de governo Lula: erros, acertos e normalidade institucional

Passado o primeiro semestre do 3º mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, é hora de parar e avaliar o que foi feito até então


Matheus Oliveira

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Mestre em Direito Penal pela UFMG, especialista em direito penal econômico pela Universidade de Salamanca (ESP) e sócio do escritório Eugênio Pacelli Advocacia e Consultoria. Email: matheusoc@eugeniopacelli.adv.br


Passados seis meses desde o início do terceiro mandato do Presidente Lula, a melhor notícia segue sendo a da regular diplomação e posse do candidato mais votado nas últimas eleições. Não houve golpe de estado, com ou sem a bizarra conjuração do artigo 142 da Constituição Federal, proclamado entre prantos, gritos e continências às portas dos quartéis, no final do ano passado. O resultado das urnas eletrônicas fez-se valer apesar daqueles anseios histéricos, silenciosamente apoiados Brasil afora e quartéis adentro (pelo menos nas fileiras mais distantes dos centros de decisão), e roteirizados em minutas golpistas encontradas na casa do ministro da Justiça de Bolsonaro, e nos arquivos do celular do então ajudante de ordens do ex-presidente. O sonho do golpe militar foi suspenso.

O Congresso Nacional, embora pessimamente frequentado, segue em regular funcionamento. O Supremo Tribunal Federal, alvo de predileção dos golpistas, não sucumbiu aos muitos cabos e soldados empenhados na tentativa de golpe de 8 de janeiro. E, se o amor não voltou para todos (ainda se aguarda o Ministério do Namoro), o ódio à institucionalidade desceu a rampa do Palácio do Planalto e voltou aos espaços menos elevados da República. Por melhores que sejam as boas notícias do novo governo, segue sendo essa a melhor delas, tal a gravidade do que esteve em questão no final do último ano.

A contradição imediata é o elogio contínuo e crescente aos símbolos maiores da ruptura institucional na América Latina. Não, não há democracia na Venezuela, como também não há exemplo a se extrair na Nicarágua de Daniel Ortega. Lula erra repetidamente, e no ponto que mais atraiu eleitores distantes da base do partido, cruciais para a apertada vitória no outubro último. Pior: contribui para a crença folclórica de que o comunismo está à espreita no país, compartilhada por mais de 52% da população, segundo o último Datafolha.

Também desastrosa a primeira e decisiva aproximação do tema da invasão da Ucrânia. A afirmação de que ambos os países (Rússia e Ucrânia) seriam responsáveis pelo prolongamento do conflito guarda os traços da irrefletida adesão a qualquer movimento gestado no país que produziu a experiência mais notória do comunismo. Para além do anacronismo do gesto, a estupidez da constatação significou o isolamento brasileiro no principal assunto da política exterior ocidental atualmente. A condenação da invasão russa foi tardia o suficiente para que ecoasse a injustificável fala inicial, e produzisse o afastamento de Kiev e a repulsa dos principais líderes do ocidente.

Lamentável, ainda, a indicação de Cristiano Zanin para a vaga deixada por Lewandowski no Supremo Tribunal Federal, já aprovada no Senado – a posse está prevista para agosto. Nem o notório saber jurídico, jamais atribuído ao ministro até a cogitação de seu nome para uma das cadeiras da Corte, legitimaria a nomeação. Não há como defender a elevação do advogado do presidente, com quem mantém, há anos, relação estreitíssima e de investimento pessoal nos casos assumidos, ao mais alto tribunal do país, encarregado de julgar criminalmente o nomeante e antigo constituinte.

Os acertos, contudo, parecem maiores e mais relevantes que os equívocos. A condução da economia, ponto de desconfiança do mercado no início do governo, acumula elogios improváveis, como o de Paulo Guedes, e contribuiu, por exemplo, para a desaceleração imprevista da inflação, o fortalecimento do Real frente ao Dólar, e para os sucessivos ajustes para mais nas previsões de aumento do PIB ao final do ano. A iminente aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária também sinalizam para uma redução na taxa de juros mais próxima do que já se imaginou – ponto essencial para a retomada do crescimento.

De outro lado, e apesar dos equívocos já mencionados, é inegável o restabelecimento do país como ator global relevante, não só na América Latina, mas também no diálogo com os principais condutores da economia globalizada. Além de acordos multibilionários com a China, espera-se a conclusão do acordo Mercosul-União Europeia, escanteado pelo governo anterior, responsável por um isolamento brasileiro sem precedentes (pelo menos desde o início do século) no cenário internacional. A arrecadação de fundos para a Amazônia, relevante por si só, é também parte de um plano maior de reposicionamento do Brasil na questão ambiental, sempre e cada vez mais parte de qualquer assunto de governança global. A política externa brasileira, achincalhada pelo governo Bolsonaro, restaura a dignidade conquistada nos governos Lula I e II, e já há frutos a se colher.

A questão ambiental, passada a boiada do governo anterior, retoma o status de política governamental, inexistente nos últimos quatro anos. Há, ainda, muito a se fazer, naturalmente. A aprovação da MP da Esplanada, nos termos desenhados pelo Centrão, é exemplo lastimável dos problemas a se enfrentar, sobretudo em face do dinheiro do agronegócio brasileiro, ainda insensível e irracional frente à urgência evidente da questão. A se comemorar, contudo, e por exemplo, a redução em 62% dos incêndios em terra Yanomami, só no primeiro bimestre deste ano. E também o fato de que, em junho, pela primeira vez desde o início do monitoramento, não houve nenhum alerta de garimpo ilegalem terras Yanomami, que havia crescido (o garimpo ilegal) assustadores 3.350%, de 2016 a 2021, e 54% só em 2022.

Também a atenção aos direitos LGBT+, à questão racial e do respeito aos povos originários voltou ao debate público institucional, com a criação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e do Ministério dos Povos Indígenas. O caminho, como na questão ambiental, é longo, mas, agora, voltamos a caminhar, e na direção certa, ao contrário da negação absoluta e do franco desrespeito demonstrados no governo anterior.

Nos primeiros seis meses de governo, os acertos ultrapassam com folga os equívocos, e a normalidade institucional e a reintrodução do país à civilidade seguem sendo as melhores notícias.

* Esta coluna tem caráter opinativo e não reflete o posicionamento do grupo.
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